Como desenhar soluções relevantes para a população de baixa renda?

Mayra Fonseca
2 min readAug 1, 2023

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Segundo dados do IBGE (2021), cerca de 90% da população brasileira ganha menos de R$ 3 mil por mês. É por isso que quando fazemos projetos sobre/para/com a população de baixa renda do país, destacamos que essa não é uma informação de nicho, pelo contrário: é um trabalho para a maioria da população.

E é muito recorrente ouvir sobre os desafios para construir e implementar uma solução que reverbere e se mostre verdadeiramente relevante para a sociedade. Os times — de inovação, sustentabilidade, design, produto… — colecionam casos de projetos que eram belos no papel, mas que não sobreviveram a meses de execução. Em pesquisa, parece existir uma desproporcional concentração de referências, repertórios e profissionais dedicadas a um pequeno grupo de pessoas economicamente privilegiadas.

A nossa percepção é que isso acontece porque existe uma série de premissas básicas sobre a vida da baixa renda que são ignoradas (por falta de conhecimento ou por dificuldade de romper o padrão de pensamento de uma organização). E talvez a principal premissa seja: é fundamental desapegar do modelo mental dominante para pensar soluções relevantes para a maioria da população brasileira.

Nos projetos que temos desenvolvido com a Yunus no Brasil e na América Latina, retomamos tais premissas para cada desafio de inovação social — sempre considerando o território e suas atoras locais. Algumas são muito óbvias e presentes em quase todos os cenários:

  1. Uma população privada de recursos e direitos não deve ser a única responsabilizada por comportamentos lidos, pela minoria da população, como os piores. É preciso ir além das visões reducionistas e compreender o que leva essas pessoas a tais atitudes.
  2. Em se tratando de recursos financeiros, a população de baixa renda não faz escolhas, faz manejo de renda.
  3. Tempo e mobilidade são caros e raros. Qualquer solução deve considerar esses fatores.
  4. São muitas as texturas e nuances. Um grupo imenso de pessoas não pode ser compreendido como homogêneo.
  5. Ninguém conhece mais um território do que as pessoas e instituições que atuam nele com responsabilidade há algum tempo.

Sendo tão óbvias e comentadas, porque essas e outras premissas não são colocadas em prática nos desenhos de estratégias e táticas?

Temos pensado que um caminho é promover que essas informações sejam, cada vez mais, para muito além de conhecidas, incorporadas causando deslocamentos nas estruturas de decisão dos grupos de trabalho.

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Mayra Fonseca

Consultoria/Pesquisa. Doutoranda Antropologia. Comportamento, etnografia. Culturas BR/LATAM, sustentabilidade, negócio social, ODS. Palestra, oficina, mentoria.