Apaixone-se pelos problemas da sociedade: é para solucioná-los que buscamos inovações

Mayra Fonseca
4 min readMar 17, 2023

Há uns dias atrás, ouvi com entusiasmo a história de uma mulher empresária que se mudou para Brasília porque queria viver e atuar em um centro de decisões do Brasil e da América Latina.

Assim como eu, ela trabalha com projetos de impacto positivo (cultural-social-ambiental-econômico), aqueles que também podem ser citados nas categorias de equidade, ESG, desenvolvimento sustentável, diversidade, inclusão, inovação, justiça social e econômica, negócio social, sustentabilidade, entre tantos outros nomes utilizados.

Após a conversa, comecei a escrever este texto (que está focado exclusivamente na minha vivência no ecossistema em torno desse tipo de projetos em Brasília, e no Brasil).

Cerca de ⅓ de todos os alimentos de consumo diário no país apresentam contaminação por agrotóxicos. (IEPS/NEXO, 2021)

Quando falo sobre meus trabalhos com entidades que estão no Planalto Central, costumo dizer que a capital do país é uma cidade que tem uma cultura de trabalho sem maquiagens: o assunto dos projetos técnicos por aqui passa mais por dados da sociedade, por políticas públicas, por desafios institucionais, pelas necessidades e pela potência das pessoas e lugares que fazem esse território que recebeu nome de árvore.

Sem maquiagens porque, muito conectada com os Brasis e mundos, Brasília não se concentra tanto em discussões tecnológicas, tendências da moda, novos ambientes de interação/expressão. Esses conteúdos surgem como repertórios e ferramentas que podem ser aplicadas quando se mostram relevantes, mas o foco está nas demandas da sociedade.

No Brasil, quanto menor a renda maior é o percentual de pessoas com depressão. (IBGE, 2019)

Centralizar as conversas na sociedade brasileira implica o olhar para os dados da população, conhecer os indicadores relevantes local e globalmente, acompanhar as fontes oficiais de informação. Nesse ecossistema, pessoas pesquisadoras precisam conhecer as tantas bibliotecas disponibilizadas pelo IBGE como também se aproximar das organizações que estão em campo dialogando com as pessoas imersas em realidades específicas: as bordas das fronteiras nacionais, as periferias das grandes cidades, as áreas de preservação ambiental, os territórios indígenas e quilombolas, as escolas públicas, os postos de saúde, as áreas em risco de desabamento, os pontos de ônibus, as filas de emprego, a porta das lotéricas…

Nos trabalhos para PNUD/ONU, são com esses dados que compreendemos os indicadores e os gargalos em cada território para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS. Nas consultorias para a Yunus Negócios Sociais no Brasil, dedicamos cerca de 3 meses de investigação para melhor compreender os problemas sociais que são as faíscas para a criação de um projeto. “Apaixone-se pelo problema, não pela solução”: é o nosso mantra nesse momento da jornada de trabalho.

Estima-se uma redução de cerca de 1 ano na expectativa média de vida no Brasil. (Nature, 2021)

O que sabemos sobre esses dados? O que eles significam no cotidiano das pessoas retratadas nessas frases? Qual é o contexto gerador desse desafio? Com o quê tal situação está conectada? Quem são as pessoas que sofrem diretamente as consequências desses problemas? E quais são as suas potências desconhecidas por nós? Qual é linha histórica que precisamos conhecer para melhor compreender a questão? Quais são os atores da sociedade envolvidos? Quem está se dedicando a estudar esses temas com profundidade e como acessar seu trabalho? Quais barreiras de compreensão precisamos transpor para verdadeiramente nos aproximarmos dessa questão? Quais foram as tentativas para mitigação desses desafios e quais foram os seus resultados até o momento? Como pesquisar o tema sem repetir padrões de violência que tais pessoas/territórios frequentemente sofrem? Quem são as pessoas que vivem essas histórias e como convidá-las para compartilhar sua vivência, aprendizados e para fazer parte da construção da solução?

Dedicar-se a encarar e a responder essas perguntas sobre os problemas da sociedade pode não parecer atrativo em um contexto global que nos seduz a criar soluções com alta performance midiática ou a replicar rapidamente fórmulas que são lançadas a cada dia. Acontece que é caminho obrigatório para quem quer contribuir para a tão esperada transformação positiva que buscamos.

Para isso, é preciso que profissionais potentes e pulsantes também olhem para o dado, para o chão, para dentro do país, para as pessoas, para as plantas, para a comida, para os corpos, para as abelhas… é urgente que se interessem por aquilo que é ordinário e estruturante.

E para quem nos pergunta nos últimos anos: é exatamente isso que estamos tentando fazer a partir daqui, da capital do país.

--

--

Mayra Fonseca

Consultoria/Pesquisa. Doutoranda Antropologia. Comportamento, etnografia. Culturas BR/LATAM, sustentabilidade, negócio social, ODS. Palestra, oficina, mentoria.